24 abril, 2013

os fantasmas



© Daniel Blaufuks

© Daniel Blaufuks

Daniel Blaufuks gosta de resgatar imagens. Mas não só - gosta de lhes dar novos contextos para trazer à luz a memória, a carga sensorial e o peso das histórias ocultas que transportam num exercício que vai muito além da arqueologia ou da memorabilia imagética. Em Fábrica (ed. Pierre von Kleist, 2013), um dos seus mais recentes trabalhos que estará até 26 de Maio no Centro para os Assuntos da Arte e Arquitectura em Guimarães, a dualidade entre o universo visual do tempo em que a Fábrica de Fiação de Tecidos do Rio Vizela laborava a todo o vapor e as imagens de abandono, destruição e caos dos dias de hoje convoca vários fantasmas - o mais poderoso dos quais o fantasma do som.

As imagens de Fábrica (que se confrontam em exposição, livro e filme) são seres sonoros. À medida que se vão sucedendo, é difícil não imaginar a paleta de ruídos associada à marcha quotidiana de um lugar enxameado por trabalhadores, vozes, roldanas, máquinas cardadoras, teares, máquinas de toda a maneira e feitio. E nesse embate de tempos e espaços distintos, são as fotografias de hoje, do vazio, que pelo contraste acabam por dar ilusão de vida àquilo que já está morto. É a ruína a funcionar como uma caixa-de-ressonância.

A edição das imagens que foi vertida em livro (projecto concretizado no âmbito Reimaginar Guimarães, da Guimarães 2012, Capital Europeia da Cultura) procura dar-nos a intensidade da fábrica pela ausência (de coisas, pessoas, equipamentos, rotinas...). Ao mesmo tempo que sugere o pulsar de um espaço de produção em série moldado pelas matrizes da Revolução Industrial, a sequenciação a vários ritmos (formato, cor, tonalidade, texto/imagem...) tenta criar espaços de silêncio que são interrompidos de modo cíclico (e às vezes brusco), como quem tapa e destapa os ouvidos no meio de um escarcéu.

A apropriação de imagens já concretizadas, um dos recursos criativos com que Daniel Blaufuks mais tem trabalhado, não é paternalista, nem instiga ao saudosismo, muito pelo contrário. No texto que acompanha o livro, faz questão de deixar claro: "[A Fábrica de Fiação de Tecidos do Rio Vizela] deve ter sido um lugar aterrador, com todos os têxteis em alta rotação, a velocidade das máquinas, os operários analfabetos, que chegavam das aldeias pobres nas redondezas. Não deveríamos sentir demasiado a sua falta. Um inferno desmantelado."


© Daniel Blaufuks


© Daniel Blaufuks

1 comentário:

Letícia disse...

Gostei bastante deste teu post

 
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